É tão bom não ser divina…

Fui arrebatada pela letra da música “Carne e Osso”, da Zélia Duncan. Me dei conta do quanto “é tão bom não ser divina”… Aliás, é mais que tão bom: é divino! Viver de perfeição é para espetaculares. Eu não sou espetacular, sou humana, satisfatoriamente humana. Minha humilde composição é o que me faz divinamente imperfeita, logo, perfeita à minha condição humana.

   Não faço a menor questão de reivindicar qualquer direito à perfeição. Reservo-a aos seres superiores, aos santos, loucos e mitológicos. Euzinha aqui, estou muito bem sendo bem humana. Foi nesse corpo que a felicidade me abraçou. E, sério… Imagine uma vida na perfeição… Sem margens pra erros, sem prateleiras pra defeitos, sem espaço pra lacunas. Perfeição é coisa reta, estrada sem buracos, caminhada sem tropeços. E quem nesse mundo – tirando os profetas – consegue viver sem dar um passo em falso, sem cruzar terrenos proibidos, sem mudar de rumo, sem pegar atalhos, sem ir na direção oposta às setas?! Ter defeito faz parte da nossa natureza. Ter defeito é ter algo para aperfeiçoarmos, algo que nos faça buscar a santidade. É nos desentortando que amadurecemos. A caça ao acerto é o hormônio do crescimento da alma. E, além do mais, ser perfeito é ser cem por cento em tudo. E eu não sou cem por cento em nada, a não ser em humanidade.

   Agradeço aos seres infalíveis por terem tomado as rédeas dessa cavalgada. Por terem assumido a perfeição para que me fosse concedido o privilégio de ser assim… inacabada! Ser apenas o rascunho do meu projeto é o que me liberta pra unir meus tijolos à minha maneira e, assim, me construir; e, assim, me decorar como pessoa num lar com a minha cara. Poder ser só humana é uma dádiva! Talvez por isso eu não acredite na idealização dos seres amados. Porque idealizar é impedir que o outro seja, como nós, apenas humano. Amar alguém idealizado por nossas fantasias é fácil, mas não é real.

      Amar é respeitar a humanidade do outro; é não condená-lo a um pedestal frágil demais para o peso das falhas. Idealização é pra musas, não pra gente. Traçar padrões divinos a seres humanos é uma sacanagem, pra não dizer um pecado! Ideal mesmo é trazermos nossas cobranças – a si e ao outro – a um nível terreno. Ideal mesmo é exigir o melhor da humanidade de cada um e reservar nossa devoção às divindades. Interagir de Homem pra Homem é o que humaniza uma relação, afinal, uma comunicação feita no mesmo andar é mais redonda.

   Festejemos nossa carne fraca, nossos ossos quebrantáveis e coloquemos nossa capa de humanidade para sairmos voando por aí num céu livre de exigências sobrenaturais. É claro que tentando desviar dos vícios, já que se habituar ao desequilíbrio, apesar de instigante, pode ser insalubre. E nada nos aproxima mais da nossa divindade do que atuar para o bem. Enfim, desse jeito eu sigo: humanamente leve, ainda que pesadamente humana.

*Foto: Ariel Lustre

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