A terra que me planta

Planto meus pés na terra. Essa terra ancestral que habitou os pés de todos os meus ancestrais. Todos aqueles que vieram antes de mim nela pisaram, por ela passaram, fizeram caminhos, descaminhos, destinos, nortes, noroestes. Foi essa terra, por onde caminho, a mesma a se tornar a colcha a cobrir a vida e a morte de todos aqueles que me trouxeram aqui. Porque eu não cheguei aqui sozinha. Antes de mim muitos outros vieram. Antes de mim muitos outros me trouxeram. Eu devo a eles, essas pessoas que sequer sei os nomes, as aflições, as angústias, eu devo a eles os meus novos passos por essa mesma terra do mesmo modo como outros, no futuro, que também nunca meu nome saberão, deverão a mim a sua vinda, os seus passos por esta terra. Planto meus pés na terra. Essa terra de uma energia vitalícia, capaz de transformar uma pequena semente num imenso e robusto carvalho. Essa terra ancestral a guardar o segredo do que foi o mundo antes mesmo de alguém assim poder chamá-lo: mundo. Nosso mundo. Planto meus pés na terra e sinto o pulso do meu coração pulsar com o dela. Pulsam nela meus trinta bilhões de células da mesma forma que esta galáxia pulsa em mim a luz de suas cem bilhões de estrelas. Porque toda terra tem coração. E onde há coração há luz. E onde há luz há vida. Se não tivesse, de onde cada semente tiraria seu pulso para poder pulsar seu crescimento em ser uma árvore? Não é porque as outras vidas desse mundo não pulsam como nós que elas não pulsam. Não é porque uma pedra não tem um coração como o nosso que ela não tem coração. Não é porque um rio não tem dedos como os nossos que ele não sabe tocar a terra com suas mãos. Há vida em toda vida. Há vida nas flores que se abrem. Há vida nos insetos que lhes pousam. Há vida nos cães que alguns deixam escravizados às coleiras como se ali houvesse qualquer coisa a mais de morte que de vida. Pois há vida em tudo o que nos cerca. Mas é preciso perceber-se parte da terra para entender esse tipo de vida. É preciso entender que da terra vieste e a ela, um dia, sem aflição, retornaremos. Planto meus pés na terra. E aguardo. De olhos fechados. O girassol que há dentro de mim se pôr a brilhar.

Crédito da foto: Conner Baker.

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