Sem valor

 Ele saiu da casa da moeda. Olhou-se no espelho. Era uma nota esquisita. Valia apenas um real. Um real? Um real. Mas ele queria ser mais. Não tem como, meu filho, quem nasce pouco, morre pouco, dizia a mãe. Ele não podia admitir. Quem foi o responsável por aquela ninharia? Deus sabia daquela injustiça? Como permitia? Um real… Um real era só um real. E ninguém lhe queria dar mais do que ele valia. Se ele valia mais, assim ele dizia. Apesar de ninguém acreditá-lo. E por que não valeria mais? E por que tinha que valer mais? Seu problema era da ordem do simbólico. É que todos os valores são assim. Inclusive o valor das palavras. Se ele tivesse nascido sem qualquer número a caracterizá-lo, então, ninguém saberia seu valor e ele se passaria por uma nota em branco, de modo que cada um lhe daria o valor que quisesse. Mas, desse jeito, marcado à tinta, ficaria difícil esconder sua origem. Não havia água que lhe tirasse a cor. De qualquer maneira, ele não aceitava. Esses consensos não lhe cabiam. Quem disse que um número poderia defini-lo? Quem disse que ele merecia o valor baixo daquele número só porque nasceu assim. Não. Ele não havia escolhido sua origem de pouco valor. Não, ele não escolheu nada, nem mesmo aquele seu número estreito menor do que dois e maior do que zero. Não. E foi então que para disfarçar sua miséria ele se pintou um zero à direita. Aliás, pintou-se dois. Na verdade, três, quatro, cinco. Mas rapidamente descobriu que seu valor não era definido por ele mesmo, mas pelos outros, que olhavam pra ele e descobriam o número que realmente carregava.  Assim, ele não conseguiu enganar a ninguém, nem mesmo a si mesmo. Sua mãe, coitada, ainda teimava em lhe dizer que ele deveria estar feliz, afinal, olha o tanto de notas rasgadas e invalidadas que nascem por aí. Não. Ele não queria aquele valor… Por ironia do destino, foi trabalhar numa fábrica de banhagem de joias. A primeira vez que viu o tanque de ouro fervente, não resistiu. Atirou-se lá dentro. Ao sair, viu seu número coberto. Conseguiu? Agora ele era uma nota banhada a ouro. Vestido naquele valioso terno dourado, seu valor adquiriu, aos olhos do mundo, um novo valor. O ouro também era um valor consensual em que todos acreditavam. Coberto por um consenso aparente, ele foi redescoberto. Mas havia ainda um porém. É que todos os dias pela manhã, ao se olhar no espelho, a única coisa que ele reconhecia em seu novo rosto era aquele maldito sorriso amarelo.

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