Dia 1º de Maio

Um espaço. Um espacinho. No metrô, no ônibus, um espaço, um espacinho, por favor. Uma vaga, uma vaguinha. Quinta vez rodando a mesma praça. Uma vaga, Senhor, por favor. Uma mesa. Para dois? Não tem. Pra quatro? Nem pensar. Pra mim, só eu, solidão, alto som, uma mesa? Não tem. Reserva pra quando. Pro futuro. Um espaço. Guarda pra mim. No futuro. O som ligado. A festa do filho do vizinho. Alta madrugada. Tô passando mal. Ô, abaixa o som. Preciso dormir. Amanhã é dia de trabalhar. O som aumenta. A festa esquenta. Falação. O sono não vem. O sonho? Que sonho? Quem tem tempo pra isso? É preciso. Chegar ao trabalho. Na hora certa. A hora do dentista errada. Mil esperas. Desculpe, mas ele se atrasou. E tudo atrasa. O trem atrasa. O ônibus atrasa. O metrô atrasa. O trânsito do carro também atrasa. E a hora passa. Corre. Voa. E o barulho da cidade. É buzina, é ambulância, é ambulante, é escapamento da moto de última geração, é o cão, o cão também ladra e, se bobear, ainda morde. Tudo ladra. Tudo morde. O ladrão ladra: passa a carteira. No sinal fechado. É muita tensão. Passou das dez da noite. Não respeita o sinal, não. Foi respeitar. Perdeu, playboy, perdeu. Perdeu. A carteira. A aliança. O carro. A vida? Ainda não. Foi por quase. Foi pouco. Chegou em casa. O anel do casamento ido. O voto do casamento quase partido. A conta do casamento ainda na décima prestação à espera das outras cinquenta. E a vida andando. Quase atropelando. O fuso horário. É hora de receber o salário. Que mal entrou já saiu. Atrás das contas. A luz atrasada. A água atrasada. A net atrasada. A net cortada. Chega de tv, tv é cultura inútil. Corta a net. Corta a Internet. Corta o seriado. Corta, corta, corta. Corta tudo pra ver se o corpo cabe na roupa da conta. A conta ladra. O relógio ladra. Vamo, vamo lá. Tá na hora de ir de novo. Trabalhar. E o olho abre. E o corpo abre: é hora do piloto automático. Automatizado, o homem se abre. A tudo aquilo que o conserva fechado. Dentro de si. Nada pode sair. Só o riso. O riso tolo. Do desesperado. O músculo todo retesado. Tensão. Muita tensão. Alta tensão. Pifou? Ainda não. Foi por quase. Foi pouco. O coração se recupera. Uma parada. Uma paradinha. Foi nada, não, diz o chefe. Amanhã ele já tá bão. A licença não termina. Mas termina. À força de demissão. Volto antes. Antes que alguém chegue antes. E diga que o meu lugar agora é dele. Eu volto antes. Antes que alguém chegue antes. E antes que o dia termine, eu chego. Em casa. Na beira da cama. Um comprimido para quem não sonha, mas precisa dormir. Dormir para acordar. Para amanhã. O mesmo dia. Em outro, novo dia. Recomeçar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *