Ao longe, uma primavera.

A cadeira. A mesa. A janela. A paisagem. A vida. Do outro lado daquela sala. Por onde você estaria caminhando? Com quem? Se lembra de mim? Se lembraria? Estaria se perguntando se aquela nossa parede continua pintada de verde. Verde esperança? Ou verde, só verde, ramagem, primavera, folha, distância, grama cortada, cheiro de chuva na terra. Só verde. Uma antiga estação. A cor da parede combinando com o fundo a paisagem. Uma paisagem tão parada quanto  a foto desta sala vazia. Sem mesas prontas. Sem guardanapos usados. Sem qualquer espera por pratos, conversas, olhos, castiçais, velas. Apenas a sala sendo a sala. E a janela delimitando a diferença entre a vida que se move fora e a que permanece, como um quadro, do lado de dentro. Há que se ter muita força de vontade para fazer da vida uma nova vontade de vida. É que nem todos os passos que damos são para sairmos do lugar. Como estes que me levam de um lado a outro da casa. Da sala para o banho. Da pia na cozinha para a cama. Da cama para a xícara de café que esfria à espera de alguma coisa que se perdeu, que se foi, esquecendo a janela fechada, a mesa montada, uma porta aberta, uma pessoa. Continuo indo ao trabalho. E fui às férias frequentando todos os seriados do Netflix. Um dia após o outro. Uma série após a outra. É que às vezes uma realidade sem realidade é mais realista, mais cômoda para o viver. Mas as férias acabam. Os amores acabam. As pessoas acabam. As paisagens acabam. E assim voltei ao trabalho e segui tomando conta das obrigações cotidianas, respondendo emails, dizendo oi,tudo bem no elevador, bom dia aos porteiros. O dia a dia da rotina e suas pequenas, mínimas, irreversíveis, idiotamente irreversíveis obrigações, deixando que elas me levassem a um esquecimento do passado, minimamente, indo, como eles dizem, em frente, no presente. Mas o presente segue sendo presente quando não estamos nele? Um corpo segue sendo uma vida se não há vida dentro dele? A sala. Estou pensando em redecorá-la. Mudar essas cadeiras de madeira. Comprar umas de plástico, mais jovens, mais leves. Quem sabe, jogar um branco nas paredes, uma cor de recomeço. Pensei em começar um curso de gastronomia. Tá na moda. Se não trabalhar com isso, ok, uso pra mim, pras visitas, há sempre uma mágica envolvendo o ato de comer. As pessoas se seduzem. Ou engordam, tanto faz. Bom, acho que é isso, vou voltar à louça. Parei por um segundo. A paisagem do outro lado me chamou. Passou um carro aqui na frente, vermelho, tipo aquele seu de 1999. Pensei, sei lá, às vezes esse verde na parede me chama, ou talvez seja o passado, ou a paisagem, ou o verde que se esquece lá fora. É outono. Isso significa o verde desbotando. Quem sabe a natureza esteja me assinalando o inverno. Preciso de uma nova cor pra essa parede. É, branco. Talvez branco.

Foto de: Simone Badana. www.simonebadana.com

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