Meu amor sai e me leva com ele

         Quando o interfone toca eu já sei: meu amor chegou. Meu amor me chega nas horas incertas e as mais pontuais possíveis. Meu amor é assim, sem relógio, sem roupa, sem maquiagem na cara. Meu amor é de cara limpa, de corpo com corpo que, de tanto suar, levanta a poeira dos móveis. Ele é tão e tanto… Calmaria mais louca de todas as tormentas. Onda que me engole e me faz espuma de tão leve. E, nas horas da tarde, meu amor sai apressado. Vai pelos caminhos da vida, batendo os portões às suas costas. E eu vou com ele, mesmo parada aqui sem sair do lugar, sem levantar dessa cadeira… Meu amor tem desses disparates. Ele sai e me leva com ele, deixando minha carcaça em casa, sozinha comigo, me fazendo metade de uma companhia… Ah, o meu amor é teimoso que nem burro que empaca, mas eu a-do-ro. Eu amo quando ele parte comigo sem me avisar. Me põe dentro dele e sai sem olhar pra trás. Sai sem fazer questão de me deixar um bilhete na mesa dizendo: Eu fui com você e já volto. E eu fico com o corpo precipitado e a pele estalando e a perna inquieta. Será que o meu amor volta comigo? Será que ele me traz de volta? E toda vez ele me traz. Coloca novamente meu coração nessa estante que tenho no peito e eu volto a me palpitar inteira, com a cabeça nas nuvens bem acima do pescoço e todas as cavidades preenchidas. Tudo nos seus devidos lugares. É… O que dizer do meu amor? Ele é do signo sem significação. Ele é isso mesmo que todo mundo diz, mas que ninguém sabe dizer. Ele me explica o que é a vida com um silêncio aberto que me faz rir por qualquer coisa e também por coisa alguma. Eu rio e rio… até que o chão se enche caudaloso de lágrimas de felicidade e a luz se apaga vexada com os nossos agarramentos. Eu e o meu amor nos amamos no chão, em cima da geladeira, dentro da pia junto com as canecas sujas de café. Eu e meu amor nos amamos de frente, de braços dados, de cabeça pra baixo… Dizem que o amor nos acompanha até debaixo d’água, é verdade? Eu duvido que não seja.  Do jeito que o meu amor é possessivo e se agarra em mim, é capaz d’ele se afogar comigo só pra termos mais alguns segundos juntos. Nossa, esse amor… Sei lá. Esse amor que não me custa nada, mas que me vale, que me invalida, que me envaidece. Esse amor que me traduz a poesia e é a coragem em pessoa, porque me assume como a pessoa dele… Eu só não vivo mais esse amor porque eu o sou. Eu sou que sou tanto esse amor que suspeito nunca mais saber me ser… Sem ele.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *