Amor é quando duas pessoas caminham para o mesmo lado

Quando te conheci não poderia imaginar que seríamos um caminho de vida. Muitos passos, o alcance dos sapatos confort pisando calçadas quadriculadas, cabelos feito páginas em branco sobre um fundo colorido de signos ilegíveis. Você e eu trabalhávamos na mesma repartição. Naquela época éramos jovens, esperávamos dos sonhos, queríamos a vida como se nos faltasse o ar. Te olhei. Reparei nos teus olhos castanhos, nas tuas mãos, no teu sorriso que me alcançou do outro lado daquela sala imensa, cheia de mesas, cheia de outros sorrisos. Foram mais de cinco metros de luz vindo em minha direção. Atingido como um alvo que não se sabia caça, tive uma pontada de aflição. É que quando um desejo nos chega, chega também a insegurança de que nosso desejo pode não querer ser nosso ou, como poderia também ser o caso, já ser ele o desejo concretizado de outra pessoa. Mas não. Como você mesma me disse, você também recebeu aquela flecha. E a partir dali, a vida foi apalpando, feito um menino nas areias em busca de seu castelo, nossa aproximação. Nossas famílias no interior serviram como um primeiro assunto. Nós dois éramos a primeira leva de uma geração que queria a cidade, o asfalto, que precisava do trabalho fora dos campos, fora de um passado, longe de uma tradição. Queríamos inaugurar a vida em uma nova moda, buscar a independência distanciados do que fora o destino para o qual pensaram que tínhamos nascido. De uma forma ou de outra, nossas ruas se cruzaram. Logo em seguida, nossos endereços. Éramos um mesmo lar. Depois do casamento, ainda tivemos um longo namoro antes dos filhos. Queríamos o nosso tempo. De um jeito abraçado, cúmplice. Passamos por todas as linhas de apelidos, nomes carinhosos, fomos um desfile de adjetivos um para o outro. Trocamos durezas e asperezas também. Enfrentamos crises. Financeiras, conjugais, crises. Em contraponto, enfrentamos muito mais as alegrias. Imensas alegrias, como só aqueles que moram na cumplicidade encontram. Nesta caminhada de mais de cinquenta anos, somos os passos dados e as mãos escrevendo os gestos que um no outro se confundem. Acho que aprendemos tanto a amar que o amor perdeu seu nome. Tornou-se em nós uma espécie de Deus o qual, por estar em todas as coisas, não é preciso lembrar. E hoje estamos aqui, enfrentando a surpresa do destino. Acabamos de sair do médico. Sim, as notícias do diário não são as melhores. Disse-nos ele de meu pouco tempo. Das minhas contra-indicações. Os médicos são figuras engraçadas. Têm nos seus diagnósticos a chance da cura e a previsão da… E com um silêncio cheio de palavras, vamos conversando até a casa. Cabeças baixas, desconversando aquele assunto sobre o qual não precisamos mais falar. Quando o tempo é escasso, há que se priorizar os temas. É comum. Mas de tudo isso, o que mais me aflige não é o curto caminho que me espera. Nem o medo daquela que tantos dizem temer. O que me aflige é pensar que tipo de escuridão guardaria aquele outro mundo longe da luz do teu sorriso, longe de brilho eterno do teu olhar.

Foto: Gabriela Kayano.

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