Em reforma

Mudou de cidade. Comprou a casa. A casa ainda não era sua, mas a cidade também não. Olhou-a. Era caso de reforma. Reforma, reforma, reforma. Trouxe seus ideais nas caixas da mudança. Seriam novidades dentro daquele novo espaço. Fechou as janelas da casa. Fechou as portas, trancou-se a casa. Limpou suas poeiras. A cada passo da obra, pegadas marcavam o chão. Eram pegadas que se apegavam aos seus pés, eram suas raízes. E eram também de outra gente. Gente que passava ali pra tentar ajeitar a casa. E a casa, em reforma, abria suas janelas ao sol. Por vezes, nem a ele. É que aquele calor todo machucava a madeira do piso. Contratou serviços e, com eles, alguns desentendimentos. Investiu alto naquela relação. O amor comprometeu-se com o local. Mas o local era quase inóspito e por horas também o amor. Até às amizades manteve suas chaves. Trancadas. Não era hora de visitas. Quem tivesse de entrar só entraria quando a casa estivesse refeita, inteira por dentro. Por enquanto, ela ainda estava ali. Parada, removendo seus passados, suas irregularidades, com lixas grossas. Eram obras internas com a fachada intacta. Era necessário o hábito: a rotina do que se reconstrói. Reconstruir-se era preciso, era precisa.  A reforma, o tijolo do novo lar. Um novo lar com a sua cara, com a sua decoração interior. Uma nova sala sobre seus antigos móveis de ossos. A casca permanente restava. Mas tudo o que se passava entre aqueles novos concretos, ficava. Guardava-se. Inovava-se: uma casa precisa de adaptações. Uma casa precisa de um abrigo seu. Ser o abrigo de si mesma é essencial. Faz cimentar a essência. É o que a livra de trincos e infiltrações: dependências geradas em ventre de carência. Uma casa se ergue sobre pilares de afinidades. E não admite conveniências por solidão, a não ser em recepções festivas.

A casa era boa, o espaço era bom, mas precisava de reforma. Um novo piso, uma nova pintura, uma nova vida. Precisava de novas janelas e também de persianas para abrigá-la, como um útero, dos nasceres dos novos dias. A casa ficará pronta. Em breve. E será linda, adaptada. A casa será o novo lar na mesma fachada antiga. Limpa por dentro, reconstruída, será a casa. Será a sua casa, pois ela. Ah, ela… É a casa?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *