Despossuída

Um dia eu estava caminhando na praia de Ipanema e, em vez de olhar para o mar, eu olhava para os prédios do outro lado da rua. Pensava no quanto seria bom ter uma cobertura ali para, toda vez que eu quisesse, poder ficar diante daquele gigante oceânico. De repente, me veio a sensação de que algo estava errado naquele meu pensamento, naquele meu desejo. Eu estava diante das ondas, pés nas areias, e, mesmo assim, não estava conseguindo ver o mar. Porque meu olhar olhava para o outro lado, para o lado das construções, para o lado das posses que, segundo minha lógica invertida, poderiam me proporcionar a visão daquilo que já estava mais perto de mim do que todos aqueles prédios. Me molhando as pernas, o mar me contava suas histórias. Mas eu estava surda. Não conseguia ouvi-lo. E foi aí que eu percebi que, se eu não conseguia enxergar o mar enquanto ele me abraçava, tampouco eu seria capaz de vê-lo das alturas de meu lindo apartamento imaginário. E a pergunta que me fiz foi: Por que eu precisava “ter” aquele imóvel com localização privilegiada para, só então, ser capaz de ver o que já estava sendo visto? Por que meus olhos estavam tão embaçados, que projetavam um sonho que apenas me distanciava daquilo que já era a realidade diante de mim? Hoje aconteceu algo parecido. Eu estava na rede, na casa da minha mãe, olhando para a mata que cerca o terreno. Pensei que, um dia, eu gostaria de ter uma casinha bem gostosinha, cercada de verde, em algum lugar. E, mais uma vez, notei estar usando aquele verbo. Aquele verbo que nós, humanos, tanto precisamos para achar que podemos permanecer… O verbo “ter”. Mais uma vez eu funcionava pela lógica da posse. E foi aí que meu coração me disse que eu não precisava desejar “ter” uma casa, e sim, um dia, poder habitar um lar assim. Porque habitar um lar é saber que seu valor não está em sua propriedade, mas naquele afeto que o faz ser, não uma simples casa comprada, sim um verdadeiro sentimento adquirido, não por um papel, uma escritura, um contrato, sim pelas raízes do afeto. E segui pensando que nossa necessidade de posse é tão latente, que se faz em nós, inclusive, em nossos usos diários da linguagem. Usamos os pronomes possessivos indiscriminadamente sem sequer pensarmos sobre o sentido para o qual eles nos apontam. Dizemos “minha casa, meu carro, meu gato, meu cão, meu filho, meu namorado, minha esposa, meu corpo, minha vida”. Só que, na verdade, nada neste mundo comporta um pronome possessivo. Nada aqui é tão nosso, que possa ser levado por nós. Nada do que nos apropriamos aqui cabe na mala de nossa final partida… Mesmo nosso corpo é meramente um recipiente, uma dádiva que nos vem de empréstimo. Assim como nossa vida, nossos filhos, nossos pais, nossos animais, nossos amigos, nossos bens… E foi percebendo este meu erro, o de usar um verbo desconectado de sentido, que eu percebi que, pelo desvio da palavra, eu estava colocando o sentimento errado em tudo à minha volta. Eu não preciso sentir que possuo nada. Eu apenas preciso sentir que amo tudo. Somente assim é que as coisas podem se tornar, dentro de nós, nossas de verdade.

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